O Carnaval carioca, maior festa popular do Brasil, é também um espaço de intensa simbologia e de profunda conexão com as tradições afro-brasileiras. As escolas de samba, com seus enredos vibrantes, apresentam mais do que apenas um espetáculo visual e sonoro. Elas são, de acordo com o carnavalesco Milton Cunha, uma extensão das práticas religiosas e espirituais originárias das tradições africanas, uma ligação que tem gerado polêmica e discussão. 1f5s3c
Em uma entrevista recente para o videocast “Conversa Vai, Conversa Vem”, do Jornal O Globo, Cunha provocou ao afirmar que "escola de samba é macumba". Para ele, o termo "macumba", utilizado historicamente pela comunidade negra como sinônimo do batuque, reflete diretamente o universo das escolas de samba, que são, segundo ele, uma manifestação cultural impregnada de elementos do candomblé e umbanda. A afirmação gerou uma onda de reações, dividindo opiniões entre aqueles que defendem a sacralidade das tradições afro-brasileiras e os críticos, especialmente dentro do movimento cristão, que questionam a influência dessas religiões nos desfiles.
"Macumba é um termo que se refere ao batuque, e quando sistematizada, se transforma no candomblé e na umbanda. A escola de samba é uma extensão desse batuque. Portanto, escola de samba é macumba, e isso é um fato, gostem ou não", afirmou Cunha, ressaltando que a religião de matriz africana não só permeia as músicas, mas também as performances dos desfiles. Para ele, a concentração antes do desfile, o momento em que as escolas se preparam para a apresentação, marca uma espécie de "gira", onde as energias se conectam com os espíritos dos compositores e fundadores dos quilombos.
Essa ligação entre o ritual e a festa de carnaval se reflete também na presença simbólica das figuras tradicionais, como a porta-bandeira. Cunha explicou que, ao girar a bandeira, a porta-bandeira invoca os ancestrais e simboliza a continuidade das tradições, desde os tempos dos quilombos até os dias de hoje. "Esse momento inicial do desfile é uma invocação poderosa, um elo entre o ado e o presente", complementou.
No entanto, as declarações de Cunha não aram sem controvérsias. No último domingo (23), o pastor Edésio de Oliveira usou suas redes sociais para convocar uma oração de 10 dias, pedindo pela nação, em resposta àquilo que ele e outros líderes cristãos consideram uma influência perigosa das religiões afro-brasileiras no carnaval. Para esses líderes religiosos, o uso de símbolos e práticas religiosas consideradas profanas pode gerar conflitos dentro de famílias e distorções de identidade, e até mesmo desrespeitar a fé cristã.
Enquanto isso, nos ensaios técnicos das escolas de samba do Grupo Especial, a simbologia de feitiçaria, magia e macumba tornou-se uma realidade evidente para o público. A Acadêmicos do Salgueiro, com seu enredo "Corpo Fechado", trouxe para a avenida um espírito de malandragem e enfeitiçamento. Os integrantes da escola aguardam ansiosos para ver se "essa macumba" será capaz de transformar a quarta-feira de cinzas em um dia de festa.
Por outro lado, a escola Grande Rio, com o enredo "Pororocas Parawaras: As Águas dos Meus Encantos nas Contas dos Curimbós", mergulha nas energias do Tambor de Mina, enquanto a Imperatriz Leopoldinense, com "Òkómi Tútú ao Olúfon – Água fresca para o senhor de Ifón", levará à Sapucaí a energia de Exu, Xangô e Oxalá, em uma disputa de forças espirituais. A Viradouro, por sua vez, se une ao catimbó e à Jurema Sagrada, com o enredo "Malunguinho: O Mensageiro de Três Mundos", mostrando que a magia e os orixás são protagonistas indiscutíveis deste Carnaval.
Enquanto a festa segue seu curso, as questões levantadas por Milton Cunha continuam a ecoar, revelando as complexas camadas que permeiam a tradição do samba e sua conexão com as práticas espirituais afro-brasileiras. Neste Carnaval, a "macumba" está, sem dúvida, em destaque — e será impossível ignorar a força de suas raízes culturais e religiosas, inclusive pela televisão, adentrando em milhares de milhares de residências.
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